quinta-feira, 15 de março de 2007

Uma História Antiga

Há cerca de 10 anos, fui professor da R. , no 7º e no 8º Ano.

A sua mãe, M. , uma colega minha de escola e de turma, que eu, até certa altura, via com frequência, por sermos vizinhos.

Ela, acabou por namorar e ""casar"" com V., toxicodependente e pequeno traficante.

A aluna, apesar das suas grandes dificuldades, era das pessoas mais aplicadas e lutadoras que conheci. Durante os dois anos em que foi minha aluna, não faltou a uma única aula, realizou todos os trabalhos de casa e nunca perturbou uma aula que fosse.

Um dia, chegou ao pé de mim e perguntou-me se podia falar comigo. A evidente resposta afirmativa permitiu-me descobrir o drama que a rapariga, com apenas 14 anos, vivia.

Ao contar-me os pormenores descobri que o seu nascimento foi recusado pelo pai.

Nunca a quis ver ou saber dela!

A sua tristeza era imensa pois a mãe, sozinha, teve que a criar sem o apoio de ninguém. Escorraçada pelos seus e ignorada pela família do companheiro, a sua vida foi muito difícil. Percebi naquele momento a origem da sua força de vontade, assim como das suas dificuldades.

Pediu-me o conselho que procurava.

O que fazer?

O pai dela, em estado terminal com SIDA, mostrou o desejo de a conhecer. Ela, por um lado, queria muito conhecer o pai, mas pelo outro tinha a longa história de dor, tristeza e sofrimento.


Pensem um pouco:

Que conselho lhe dariam?


Eu escolhi as palavras e disse-lhe:

-"Vai ver o teu pai que está, como sabes, muito mal e a morrer. Olha para ele, dá-lhe a mão e aproveita os únicos momentos que vais poder estar com ele. Deixa-o pedir-te desculpa."

- "Mais tarde, logo decides se o desculpas ou não".


- "Oh stôr, não sei se sou capaz."

- "Não precisas de saber."

- "Imagina que um dia mais tarde sonhas que gostarias de, pelo menos uma vez na vida, olhar, tocar e ser tocada pelo teu pai."

Ela assim fez!

O pai morreu nessa mesma semana.

Há dois anos atrás encontrei, mãe e filha, felizes e com a vida resolvida. Ambas empregadas, estabilizadas.

E, a certa altura da longa conversa, a R. disse-me assim:

- "Foi bom ter uma memória do meu pai sem ser apenas de fotografia"!

- "Ajudou-me a desculpá-lo e a fazer a minha mãe esquecer".

2 comentários:

Jaime A. disse...

Pedro, talvez tenhas dado a resposta mais linda e mais certa da tua vida.
Uma imagem não se perdoa; uma pessoa, mesmo com a morte a rondá-la, perdoa-se e, uma paz, de certeza, pairará sobre quem perdoa e sobre quem é perdoado.

"Oh stôr, não sei se sou capaz."

- "Não precisas de saber."

- "Imagina que um dia mais tarde sonhas que gostarias de, pelo menos uma vez na vida, olhar, tocar e ser tocada pelo teu pai."

Um diálogo maravilhoso. Parabéns!!!

Anónimo disse...

Uma história muito comovente e, deixa-me que te diga, um bom apoio que deste a esta menina :) * beijinhos!