Há cerca de 10 anos, fui professor da R. , no 7º e no 8º Ano.
A sua mãe, M. , uma colega minha de escola e de turma, que eu, até certa altura, via com frequência, por sermos vizinhos.
Ela, acabou por namorar e ""casar"" com V., toxicodependente e pequeno traficante.
A aluna, apesar das suas grandes dificuldades, era das pessoas mais aplicadas e lutadoras que conheci. Durante os dois anos em que foi minha aluna, não faltou a uma única aula, realizou todos os trabalhos de casa e nunca perturbou uma aula que fosse.
Um dia, chegou ao pé de mim e perguntou-me se podia falar comigo. A evidente resposta afirmativa permitiu-me descobrir o drama que a rapariga, com apenas 14 anos, vivia.
Ao contar-me os pormenores descobri que o seu nascimento foi recusado pelo pai.
Nunca a quis ver ou saber dela!
A sua tristeza era imensa pois a mãe, sozinha, teve que a criar sem o apoio de ninguém. Escorraçada pelos seus e ignorada pela família do companheiro, a sua vida foi muito difícil. Percebi naquele momento a origem da sua força de vontade, assim como das suas dificuldades.
Pediu-me o conselho que procurava.
O que fazer?
O pai dela, em estado terminal com SIDA, mostrou o desejo de a conhecer. Ela, por um lado, queria muito conhecer o pai, mas pelo outro tinha a longa história de dor, tristeza e sofrimento.
Pensem um pouco:
Que conselho lhe dariam?
Eu escolhi as palavras e disse-lhe:
-"Vai ver o teu pai que está, como sabes, muito mal e a morrer. Olha para ele, dá-lhe a mão e aproveita os únicos momentos que vais poder estar com ele. Deixa-o pedir-te desculpa."
- "Mais tarde, logo decides se o desculpas ou não".
- "Oh stôr, não sei se sou capaz."
- "Não precisas de saber."
- "Imagina que um dia mais tarde sonhas que gostarias de, pelo menos uma vez na vida, olhar, tocar e ser tocada pelo teu pai."
Ela assim fez!
O pai morreu nessa mesma semana.
Há dois anos atrás encontrei, mãe e filha, felizes e com a vida resolvida. Ambas empregadas, estabilizadas.
E, a certa altura da longa conversa, a R. disse-me assim:
- "Foi bom ter uma memória do meu pai sem ser apenas de fotografia"!
- "Ajudou-me a desculpá-lo e a fazer a minha mãe esquecer".
quinta-feira, 15 de março de 2007
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2 comentários:
Pedro, talvez tenhas dado a resposta mais linda e mais certa da tua vida.
Uma imagem não se perdoa; uma pessoa, mesmo com a morte a rondá-la, perdoa-se e, uma paz, de certeza, pairará sobre quem perdoa e sobre quem é perdoado.
"Oh stôr, não sei se sou capaz."
- "Não precisas de saber."
- "Imagina que um dia mais tarde sonhas que gostarias de, pelo menos uma vez na vida, olhar, tocar e ser tocada pelo teu pai."
Um diálogo maravilhoso. Parabéns!!!
Uma história muito comovente e, deixa-me que te diga, um bom apoio que deste a esta menina :) * beijinhos!
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